NA OBAN - JANEIRO DE 1971
A TORTURA
O enfermeiro vinha todos os dias
me ver e em alguns mais de uma vez, me
dava remédios e fazia massagens. Recuperei o movimento da perna, pude me
levantar e voltar a andar após esse tempo. O braço levou mais tempo para
normalizar.
Link para trailer do filme : RETRATO 3X4 DE UM TEMPO dirigido por Ângelo Lima, que traz trecho de um depoimento de Élio Cabral de Souza, capturado e torturado pelo DOI CODI, com Edgard de Almeida Martins: http://youtu.be/iZxUB-0ewGE
A TORTURA
Ao chegarmos à sede da OBAN, eu e o Élio, ouvimos uma gritaria e empurravam-nos por um - corredor polonês - de socos e pontapés.
Entrando no prédio, nos colocaram as pontas dos fios da maquininha de choque nos
ouvido e começaram dando choques. Junto vinham espancamentos, com cassetetes, palmatórias e pauladas. Alguns que
conheciam karatê, como o Albernaz, nos desferiram golpes nas costas e no peito.
Usavam os punhos - soco inglês - instrumento de ferro que se encaixa nos dedos das
mãos como anéis - e tudo o que se possa imaginar de xingamentos e ofensas.
Horas no pau -de-arara com mãos e punhos amarrados aos pés , com a coluna curvada, até não suportar mais a dor.
O DELEGADO FLEURY DO DEOPS FOI À OBAN
FLEURY NA OBAN
Horas no pau -de-arara com mãos e punhos amarrados aos pés , com a coluna curvada, até não suportar mais a dor.
O DELEGADO FLEURY DO DEOPS FOI À OBAN
FLEURY NA OBAN
Vinte minutos depois de chegar na OBAN - Operação
Bandeirante - que ficava na Rua
Tutóia com a Rua Tomaz Carvalhal, nos fundos da 96º Delegacia do Estado de São Paulo,
chegou o delegado Sérgio Paranhos Fleury, do DEOPS, que me fez algumas
perguntas:- Por que eu guardava os jornais que falavam dele e do Esquadrão da
Morte. Era uma série de reportagens publicada na imprensa escrita e que eu
vinha lendo com interesse e recortando dos jornais onde o procurador Hélio
Bicudo, o denunciava por seus crimes.
Na OBAN, me deixaram, sem cortar
a barba e de cabelos compridos. Quando viajei para o Mato Grosso e Vitória,
correu o boato que eu tinha desaparecido. Na época, muitos presos procurados
apareciam depois em notícias, que tinham sido – atropelados - outros mortos em – "tiroteios" - ou então - "suicidados". Tudo secreta e - um tanto misteriosamente...
Alguns dias depois, fui levado a um "ponto", numa rua, para encontro com alguém que eu nem
sabia quem era. Não conseguiram trocar minha camisa, que havia grudado nas
cicatrizes das minhas costas e que ao tentarem retirá-la, o sangue escorria pelos
ferimentos. Cortaram a camisa e deixaram os pedaços grudados na pele sobre as
feridas. Levamos choques no pênis, no ânus, na boca, nas
orelhas, nos dedos dos pés e das mãos.
A REPRESSÃO ATUANDO NO TERRITÓRIO LIVRE
TRÊS DIAS INTEIROS NO CAMPUS DA USP
A REPRESSÃO ATUANDO NO TERRITÓRIO LIVRE
TRÊS DIAS INTEIROS NO CAMPUS DA USP
Levaram-me ao campus da USP, onde eu deveria ficar nas
portas das faculdades. Os agentes estacionavam seus carros próximos e armados observavam se alguém me cumprimentava. Passei uns três dias assim. Ninguém foi
preso nesses "pontos". Amarravam um fio que ia da ponta do pênis e em torno da bolsa escrotal, descendo pela perna
até o dedo do pé para eu não sair correndo e fugir
Eu tinha pontos marcados com o "Márcio" do Rio; com
Tarzan, em São Paulo, mas que estava em Recife; com padres do Nordeste, através
de "Cabra", o geólogo Gerôncio
Albuquerque Rocha e com Honestino Guimarães, em São Paulo. Desses somente o
Tarzan foi preso um mês depois em Recife, mas não no
ponto que havia marcado comigo.
Resistimos por algum tempo sem falar nada. Talvez por dois ou três dias.
Com
a pancadaria e a violência vinham as perguntas: - Qual é o ponto ? Onde está
fulano ? Que horas você vai encontrar com
seu camarada ? Onde é o endereço ? Quem é fulano ? É comunista ? Repetidamente. Entremeando as perguntas vinham palavrões, gritos e pancadas.
Esbofeteavam, cuspiam, chutavam nas canelas,
nos joelhos. Perguntavam-nos da - Nobue "Nina", da minha mulher e meus filhos - onde
estavam ? Queriam saber do dinheiro da organização.
Durante um dos interrogatórios, em que me perguntaram se eu era comunista, respondi: - Sim, eu
sou comunista. Então o Albernaz, me deu
um violento golpe de karatê, e ao cair para trás, caí em cima de uma mesa de
escritório, envergando a coluna dolorosamente, quebrando duas costelas, que me deixaram sequelas para o resto da vida .
CHOQUES EM TODO CORPO
CHOQUES EM TODO CORPO
NA CADEIRA DO DRAGÃO
A CADEIRA DO DRAGÃO FOI MONTADA NO GABINETE DE ARTES E OFÍCIOS DE SP E TRANSPORTADA PARA A SEDE DA OBAN. FOI UTILIZADA EM TORTURAS À PRESOS POLÍTICOS DA DITADURA. ERA UMA POLTRONA FORRADA COM METAL PARA ESPALHAR OS EFEITOS DOS CHOQUES POR TODO CORPO DO PRESO, QUE TINHA OS PÉS, AS PERNAS E OS BRAÇOS AMARRADOS AOS SEUS APOIOS.
Ás vezes estávamos com os braços amarrados atrás das costas, outras vezes na cadeira do dragão, uma poltrona com aço e metal condutor de eletricidade em seus braços, onde os pulsos ficavam presos e as pernas amarradas aos pés da mesma, por horas. Ao nos colocar na poltrona, para atar os pulsos e as pernas eram enrolados panos de flanela ou de lã, para evitar que os ferimentos deixassem marcas. Levávamos choques a cada meia hora ou quinze minutos. Jogavam água para aumentar a potência dos choques. Amarravam em dois, sentados, nus, um sobre o outro. Ao tomar os choques o torturado estremecia todo o corpo em um estertor terrível. E, ao estremecer o corpo, feria os pulsos e as pernas. Era impossível evitar isso. Os ferimentos me deixaram os ossos expostos nas pernas e nos pulsos. Seguiam depois com o pau-de-arara, acompanhado de pancadas e mais choques.
A CADEIRA DO DRAGÃO FOI MONTADA NO GABINETE DE ARTES E OFÍCIOS DE SP E TRANSPORTADA PARA A SEDE DA OBAN. FOI UTILIZADA EM TORTURAS À PRESOS POLÍTICOS DA DITADURA. ERA UMA POLTRONA FORRADA COM METAL PARA ESPALHAR OS EFEITOS DOS CHOQUES POR TODO CORPO DO PRESO, QUE TINHA OS PÉS, AS PERNAS E OS BRAÇOS AMARRADOS AOS SEUS APOIOS.
Ás vezes estávamos com os braços amarrados atrás das costas, outras vezes na cadeira do dragão, uma poltrona com aço e metal condutor de eletricidade em seus braços, onde os pulsos ficavam presos e as pernas amarradas aos pés da mesma, por horas. Ao nos colocar na poltrona, para atar os pulsos e as pernas eram enrolados panos de flanela ou de lã, para evitar que os ferimentos deixassem marcas. Levávamos choques a cada meia hora ou quinze minutos. Jogavam água para aumentar a potência dos choques. Amarravam em dois, sentados, nus, um sobre o outro. Ao tomar os choques o torturado estremecia todo o corpo em um estertor terrível. E, ao estremecer o corpo, feria os pulsos e as pernas. Era impossível evitar isso. Os ferimentos me deixaram os ossos expostos nas pernas e nos pulsos. Seguiam depois com o pau-de-arara, acompanhado de pancadas e mais choques.
Nos dias seguintes a nossa chegada, vimos o companheiro"Messias", que mal parava em pé, totalmente sem equilíbrio. Depois precisou de
cadeiras de rodas e quando seu pai, que era senador eleito naquele mesmo ano, da
ARENA, a Aliança Renovadora Nacional do Amazonas, quis visitá-lo, o maquiaram
para ocultar hematomas e marcas da tortura, obrigaram-no a permanecer sentado e que não se levantasse, para que seu
pai não notasse o estado de suas pernas.
Após ter ido para o DEOPS "Messias" voltou para OBAN/DOI/CODI sempre
ameaçado pelo torturador Dirceu Gravina, o famoso “JC - Jesus Cristo” , que
queria obrigar-me a dar choques nele. Como me recusei, JC desferiu-me quarenta pauladas em cada joelho. Enquanto JC desferia
os golpes, - Risadinha - ecoava estridente gargalhada durante essa sessão de
tortura. "Messias" assistiu a essa cena.
De outra vez, puseram-me junto
com o "Paco" amarraram-nos na cadeira
do dragão com ele sentado em meu colo. Ligaram a máquina, dando choques em
nós dois ao mesmo tempo. Caímos para a
frente junto com a cadeira, fiquei com um " galo" na testa por vários dias. E ele
também se machucou muito. Os torturadores riam, mas desta vez foram chamados a
atenção, porque eu deveria sair à rua e as marcas atrapalhavam, na opinião dos
chefes das torturas.
DIALOGO COM O COMANDANTE DOS TORTURADORES BRILHANTE USTRA
DIALOGO COM O COMANDANTE DOS TORTURADORES BRILHANTE USTRA
...E A CONVENÇÃO DE GENEBRA ,
- COMANDANTE TIBIRIÇÁ ?
- COMANDANTE TIBIRIÇÁ ?
No terceiro ou quarto dia, após minha prisão, fui levado à uma
sala onde estavam vários soldados com metralhadoras apontadas para mim e então
apareceu o Major Carlos Alberto Brilhante Ustra, que se apresentou como - Dr.
Tibiriçá Correia - chefe da Operação Bandeirantes, que depois passou à
DOI-CODI. Ele entrou, me cumprimentou e disse que nós tínhamos perdido e que para mim a guerra estava encerrada. Também disse:- Você deve se render e
reconhecer a situação. E, que só queria saber uma coisa, se eu conhecia o
Tarzan de Castro e se ele estava no Brasil ?
Argumentei que na guerra os vencidos e os prisioneiros devem ser tratados com
respeito e não com humilhações e torturas, segundo a Convenção de Genebra, da
qual o Brasil é signatário.
Ele imediatamente me mandou de volta para o xadrez e tudo voltou ao
tratamento anterior, com mais pancadarias, intercalando com choques, cadeira de
dragão, pau-de-arara, etc.
Barros, sequestrada com Giannini ,
tinha o pé enfaixado e só andava apoiada em alguém. Quebraram e aplicaram uma injeção
com ácido no pé dela. Giannini, pouco melhor,
mas com as marcas dos maus tratos e das torturas comuns nos interrogatórios das
primeiras horas, quando pretendiam alcançar toda a organização e sua direção.
PENTOTAL : O SORO DA VERDADE
NA SALA DE TORTURAS : "A SESSÃO ESPECIAL"
PENTOTAL : O SORO DA VERDADE
NA SALA DE TORTURAS : "A SESSÃO ESPECIAL"
Prometiam aplicar a pentotal - soro
da verdade - no Élio e em mim. Garantiam que não sairíamos vivo dali ao final
do tratamento que nos aplicariam. Os repressores se concentravam em uma organização
para desmantelar sua estrutura e principalmente atingir seu núcleo dirigente, eliminá-los
com prisões, torturas e também com assassinatos. E foi o que fizeram com todas as
organizações: ALN, VPR,VAR-PALMARES, AP, ALA VERMELHA, PC do B, PCBR, PCR,
POLOP, POC, MR-8, MRT, REDE, MRM, GRUPO
DO GAÚCHO, MOLIPO, GRUPO PRIMAVERA, PC do B e depois o velho PARTIDÃO. Todos
tiveram gente presa, torturada e muitos mortos depois de presos. Nessa
constelação de siglas da esquerda, a Ala Vermelha foi a que tendo optado e
defendido a luta armada, conseguiu manter viva a maioria dos militantes, que
não a deixaram por outras organizações. Tivemos muitas prisões, porque confrontávamos a ditadura com nossas ações e publicações.
Depois de muitos dias seguidos desse tratamento, levaram-me
com Élio ao que parecia ser a nossa despedida definitiva. Nos colocaram na sala
de tortura, no pau-de-arara. Ligaram um
aparelho na tomada e estenderam de lá um fio até os nossos corpos e com a outra
ponta percorriam os pontos onde iam aplicando os choques. Um outro torturador
com a máquina, aplicava o choque em outros locais, de modo que nos forçavam um
a dobrar o corpo para frente e o outro para trás. A gente se envergava ao
extremo da capacidade corporal, às vezes até estalar as juntas. O esforço, nas
pernas e nos braços presos ao pau-de-arara, era horroroso. Recebíamos duas correntes
simultâneas em quatro ligações. A dor causada pelo esforço na coluna era
terrível. Nesse dia não resistimos muito tempo.
As máquinas tinham voltagens diferentes do aparelho ligado à tomada. O último podia regular a voltagem para mais ou para menos. Fiquei
sabendo depois que era possível alcançar até 600 volts. Não posso afirmar se
isso era verdade. Sendo eu eletricista,
diziam que era necessário aumentá-lo e foi o que fizeram, dizendo que eu resistiria mais.
O Élio tinha uma úlcera de estomago, que estourou, e começou a expelir sangue pelo nariz e pela boca. Foi levado às pressas para o Hospital do Exército e depois foi para as Clínicas. Pensei que ele estivesse morto, ficou entre a vida e a morte por uns quarenta dias, quando saiu de lá. Voltou para o DOI-CODI , mas não nos vimos mais. De lá foi enviado para o DEOPS e depois para o presídio Tiradentes. Sei que depois de anos foi libertado e voltou a morar em Goiânia. Não mais o vi.
O Élio tinha uma úlcera de estomago, que estourou, e começou a expelir sangue pelo nariz e pela boca. Foi levado às pressas para o Hospital do Exército e depois foi para as Clínicas. Pensei que ele estivesse morto, ficou entre a vida e a morte por uns quarenta dias, quando saiu de lá. Voltou para o DOI-CODI , mas não nos vimos mais. De lá foi enviado para o DEOPS e depois para o presídio Tiradentes. Sei que depois de anos foi libertado e voltou a morar em Goiânia. Não mais o vi.
Tive um desmaio e fiquei com a
metade do corpo paralisado temporariamente. O braço esquerdo e as pernas ficaram sem movimentos
por certo tempo. Quando abri os olhos e recobrei
a consciência, voltando aos sentidos, ouvi a voz do Major Ustra gritando sem
parar: - O Edgard não pode morrer, o
Edgard não pode morrer. Com nossas prisões, diziam, ele ganhou a patente de coronel
do exército, hoje reformado.
A sala estava cheia de gente. O "médico" que me aplicou a injeção,
ainda segurava a seringa na mão. Em seguida massageou meu peito, o coração,
depois mediu a pressão e ficou observando. Enfermeiros massageavam o braço e a
perna esquerda. Outros colocavam bolsas
de água quente no braço, na perna, iam mudando de lugar e trocando quando esfriava. O médico tinha traços de
japonês, não afirmo com certeza, mas provavelmente era Harry Shibata, do
Instituto Médico Legal de São Paulo. Gritavam para que eu esticasse a perna,
abrisse a mão e estirasse o braço esquerdo, que havia encolhido no momento em
que aplicaram a descarga elétrica.
NA SOLITÁRIA
COM DIÓGENES SOBROSA NA SOLITÁRIA
NA SOLITÁRIA
COM DIÓGENES SOBROSA NA SOLITÁRIA
Quando melhorei, fui carregado para a solitária. Fiquei durante uma
semana ali com Diógenes Sobrosa, da VPR, que tinha sido preso no Vale da
Ribeira. Ele tentava colocar suco de laranja na minha boca e também me
alimentar. Estava seguindo ordens do médico e dos enfermeiros, que eram
fiscalizados pelo carcereiro e por guardas da PM, que ficavam no pátio vinte e
quatro horas, vigiando.
Sobrosa me contou um pouco de sua
história. A prisão no Vale do
Ribeira onde esteve com outros camaradas. Foi condenado junto com Lamarca, Fujimori
e Lucena, filho de Antonio Lucena, que morreu assassinado pela
repressão no interior de São Paulo. Sobrosa e Lucena chegaram a ser condenados à
morte, pena depois modificada através de recurso de defesa. Os dois foram, dos
presos, os mais torturados na OBAN/DOI-CODI. Se é que pode se dizer assim... Me
refiro, aqui, aos que saíram vivos de
lá.
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