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terça-feira, 6 de agosto de 2013

DE SEGUNDA AUDITORIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA MILITAR À MEMORIAL DE LUTA PELA JUSTIÇA.

'No julgamento dos membros da Ala Vermelha, fui retirado pois diziam não ter acusações contra mim. Em conluio, do comandante do DOI-CODI, com o procurador do Ministério Público Militar e o juiz-auditor, me retiraram do processo durante a audiência e o carcereiro - Roberto - por ordem direta do Ustra, trocou meu depoimento, que foi utilizado em todo o processo. Depois de investigarem todos os detalhes de minha vida pregressa, colocaram palavras suas como se fossem minhas para incriminarem os companheiros da Ala, em especial o Élio Cabral de Souza, que naquela sentença absurda foi condenado a 23 anos de prisão. Depois reduzida e... reduzida pela batalha judicial e política, que correu em paralelo, chegando a cinco anos cumpridas por ele nos presídios Tiradentes e Carandiru.'

Foi a partir daí, que o chefe dos arquivos e interrogatórios, Capitão André Leite Pereira Filho, informante do juiz-auditor Nelson Guimarães Machado, passou a usar o codinome 'Dr. Edgar'.

Trecho extraído do livro "CLANDESTINO - MEMÓRIAS POLÍTICAS DE EDGARD DE ALMEIDA MARTINS" 

 FOTO DO PRÉDIO ONDE FUNCIONOU A SEGUNDA AUDITORIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA MILITAR NA BRIGADEIRO LUIS ANTONIO, 1249, BELA VISTA, EM SÃO PAULO. ENTREGUE NO DIA 05/08/2013 A OAB E AO NÚCLEO DE PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA PELO GOVERNO FEDERAL PARA SER O MEMORIAL DE LUTA PELA JUSTIÇA.

Trecho do depoimento de Rosa Cardoso (Coordenadora da Comissão Nacional da Verdade) à Comissão da Verdade da OAB-SP no dia em que foi celebrada a entrega do  prédio onde funcionou a auditoria militar de São Paulo pela União à OAB:   

Na Auditoria Militar denunciava-se a tortura e o regime vigente. Ali, a luta 
continuava, articulando-se com a travada no mundo exterior ao cárcere, e emitia a 
mensagem: sobrevivemos, estamos vivos, nos restam forças, não nos sentimos vencidos, 
prosseguiremos. 

Quanto à tortura, todos nós sabemos, ela foi uma escolha das elites militares que 
articularam e produziram o Golpe de 64 e que depois, juntamente com representantes 
das elites civis e empresariais, implantaram e administraram a ditadura imposta. Ela não 
foi acidental, excepcional, desvio imputável a militares ou policiais emocionalmente 
desequilibrados. Foi a arma privilegiada de uma guerra, a guerra revolucionária, a qual 
elites influentes de nossas Forças Armadas aderiram, desde a década de 50 para manter 
seu poder e prestígio, no âmbito das Forças Armadas.

O cenário então vigente era o de uma demorada guerra fria, que indicava o ocaso 
das guerras tradicionais. Nossas elites militares concluíram assim, que, na ausência de 
guerras convencionais, deviam preparar-se para a guerra revolucionária, tal como 
aconteceu no Vietnã e na Argélia. 

Fizeram sua formação, treinaram seus subalternos nos Estados Unidos, onde, 
ontem e hoje, utiliza-se largamente da tortura, ou seja, onde se criam em laboratórios
ensinam-se e se exportam técnicas de tortura (atualmente chamadas de métodos de 
interrogatório coercitivo). Nossas elites militares incorporaram a tortura como elemento 
fundamental do Estado de Segurança Nacional imposto.

Contudo, em 1964, estas elites já sabiam que a tortura servia menos para obter 
informação valiosa sobre o curso de ações do inimigo do que degradar, aterrorizar e 
submeter cada preso e o conjunto da população ao poder ditatorial. Nossas elites já 
sabiam que a tortura não produziria informação significativa para a definição de 
estratégias da contra-insurgência praticada por elas, Forças Armadas.

Os depoimentos obtidos sob tortura dissimulam a verdade, misturam verdade e 
mentira, não são confiáveis. A dinâmica do suplício, o frequente descontrole do 
torturador e o sofrimento da vítima destroem a objetividade da informação prestada. 
Não há mais a palavra de um sujeito consciente, autônomo, numa situação de 
alteridade e comunicação efetiva com o outro. Existe a palavra arrancada, apropriada, 
subvertida pelo torturador, na forma que este lhe quer impor, torturador que, aliás, trabalha a partir dos interesses de um órgão ou de uma agência, sempre em competição 
com outra. Exemplifico: OBAN x DOPS ; OBAN x Cenimar.

O torturado diz o que pode livrá-lo do suplício, o que pode salvar seu corpo. É a dor, 
o corpo, a sobrevivência que estão em jogo. É dizer o que deve ser dito para cessar a dor 
e garantir a vida. A vida muitas vezes reclamada pelo compromisso com os filhos, o 
companheiro, os companheiros, os pais. Ressalte-se: para aqueles que não tinham o 
compromisso de viver, de atravessar de qualquer modo a correnteza dos choques, das 
pancadas, das humilhações e chegar à outra margem, a polarização era cessar a dor ou a 
morte. Sim, para cessar a dor muitos desejaram intensamente a morte.

Portanto, as elites militares que construíram nosso Estado de Segurança Nacional 
sabiam que a tortura não era uma via confiável para obterem informações, mas uma 
prática destinada a demolir seres humanos. Antes do golpe já sabiam que queriam e 
implantariam um Estado que torturasse e aterrorizasse a população, visando implantar a 
sua lei, a sua ordem, o seu modelo econômico. Foi isto o que aconteceu.

Rosa Cardoso
Do Rio de Janeiro para São Paulo, 4 de agosto de 2013